SENHOR DO TEMPO
Tudo começou quando avistou um fragmento de arco-íris no meio das nuvens, que mais lembravam gomos de algodão a salpicar o céu do nordeste brasileiro. Pela janela do avião, vislumbrou fiapos de um rios a cortar o mangue antes de desaguar na vastidão do oceano, como veias a irrigar uma mão, como dedos a rasgar a areia e que desenhavam sulcos do tempo.
O avião iniciava a descida para Salvador, era domingo de Páscoa, e Oscar passaria mais um domingo longe de casa, preparando-se para uma semana de reuniões na fábrica da empresa multinacional em que trabalhava. Projetos de expansão, orçamentos, apresentações, almoços com o seu chefe que chegaria dos Estados Unidos na segunda-feira, uma audiência com o governador para anunciar os novos investimentos e toda a bajulação típica destes eventos. A graça e o glamour haviam cedido espaço para a rotina entediante e amarga, para atuar como um ser robotizado e despido de emoções, um escravo moderno.
Oscar desembarcou e um motorista o aguardava com uma plaqueta na área externa do desembarque, auxiliando-o com a mala. Fez apenas duas perguntas ao motorista, cordiais e formais, e manteve-se calado no trajeto até o Rio Vermelho. O sol brilhava timidamente entre as nuvens, mas o mar refletia a luminosidade do início da tarde. Observava atentamente a paisagem, como se fosse uma despedida, como se olhasse os arredores pela última vez. Faltava algo.
Deixou as malas no quarto, desceu para o deck da piscina com vista para a Baía de Todos os Santos. Sentou-se numa mesa na sombra e pediu uma salada, pois dispensara o sanduíche do avião durante o voo e sentia a ausência do almoço.
As ondas debatiam-se contra as rochas, incansáveis, constantes. Não se repetiam e a cada encontro com o paredão rochoso, desfaziam-se em espuma farta e branca, por vezes sobre as pedras, por vezes em altos jatos que lembravam a erupção de um vulcão. Oscar retornaria ao mesmo lugar e as ondas continuariam a se chocar com as rochas, fornecendo um espetáculo gratuito e sempre inédito. As ondas não se cansavam jamais e agiam de forma atemporal.
- Quero ser senhor do meu tempo! – exclamou em voz alta.
A decisão estava tomada. Comunicaria ao chefe que deixaria o cargo em trinta dias. Havia perdido muito tempo. Não vira as filhas crescerem. Agora, não abriria mão de ver – e conviver – com os netos, quando viessem. E mesmo que não viessem, queria ser senhor do seu tempo. Queria poder ficar horas a contemplar as ondas sem se preocupar com apresentações e horários; queria poder almoçar sem olhar no relógio; queria poder surpreender as filhas e ir ao cinema numa sessão das 17 horas numa sexta-feira, ou mais ousado, numa quarta-feira!
Oscar queria viver e, ao menos, dar direção ao uso que faria do tempo, enquanto Deus lhe desse tempo. Sabia que havia desperdiçado muito tempo. Não vira as filhas crescerem, mas ainda resgataria a juventude delas sendo mais presente. Assumiria seu tempo com fervor e passaria a ser o timoneiro do barco, não mais um mero passageiro.
Um comentário:
ADOREI seu blog! Muita coisa legal por aqui!
Postar um comentário