quinta-feira, 9 de junho de 2011

Crônica: Ramalhete







Flores e mãos, Pablo Picasso




RAMALHETE


Ele nunca compreendeu a relação intensa que as mulheres têm com as flores. Qual era a graça, afinal, de receber sempre rosas – e geralmente vermelhas – que depois de alguns dias murchavam e perdiam suas aveludadas pétalas? Por que dar flores era um caminho certeiro no cortejo de qualquer donzela, mesmo sendo príncipe nada encantado?

Um belo dia, cético como ele só, ouviu a mãe conversar com a irmã e lembrar como era bom visitar a casa da vovó com aquele quintal espaçoso, como ela gostava de cuidar das roseiras no jardim, flores delicadas, com seus espinhos pontiagudos, mas seres sensíveis e belos, como as mulheres. Ouvidos atentos, talvez ali houvesse uma pista para decifrar o mistério. Mas, Pedro não se deixava seduzir pelas rosas.

Partiu numa aventura silenciosa para explorar – e comparar – estes objeto de encanto.

A primeira amiga a ser presenteada num aniversário recebeu um belo ramalhete de flores de campo, escolhidas por ele para compor um espetáculo múltiplo de cores, tamanhos e formatos. Sentiu-se meio artista e ficou feliz com o resultado. “Múltipla e complexa disfarçada por detrás de uma aparente simplicidade. Tua beleza encanta, mas é no detalhe que cativas os amigos!”, escreveu no pequeno cartão.

A reação foi tão expansiva que tomou coragem para repetir o feito. Uma outra amiga que se dizia ser uma pessoa diurna, sem desprezar a lua e seu espetáculo noturno, trazia-lhe um novo desafio. Flores amarelas, pensou. Logo veio-lhe a mente um campo de girassóis no sul da França tão bem retratadas na tela por Vincent Van Gogh. Girassóis!, exclamou. Eis uma flor da qual gostava. Aquele mar de pétalas amarelas contrastando com o verde vivo do verão francês marcou-lhe como uma apresentação de gala da natureza com um pouco de ajuda do homem. Ficara maravilhado.

Um girassol rodeado por flores amarelas – que não sabia o nome –, mas que o florista habilmente ajeitou num belo arranjo. Ela vai adorar, pensou ele todo satisfeito com sua sagaz interpretação da personalidade feminina. “Vibrante como o sol/intensa como o dia/ alegre como uma tarde de verão/amiga presente como o raiar do dia. Um pequeno versinho é pouco para descrever a tua força e importância para os que têm a sorte de desfrutar da tua luz!”

A amiga irrompeu em lágrimas e ficou eternamente grata a Pedro.

Foi na terceira investida pela seara poética e florística que seu maior desafio se apresentou. Pedro estava muito interessado na moça que aniversariava. Passou por algumas floriculturas em busca de algo novo, de alguma ideia que o despertasse e que fosse um tiro certeiro no alvo: queria balançar o coração dela.

Enfim, depois de um mês de preparativos, dúvidas e conjecturas, optou por tulipas cor-de-rosa. “Sofisticadas e discretas, estas flores destacam-se na natureza por serem únicas. Cor intensa, como sua força interior que abraça a vida com coragem. Irretocáveis, como seu senso estético, porém, menos belas que você! Não precisas de espinhos, para ti, basta o sorriso.”

Cartão escrito e lá foi ele, um pouco nervoso e envergonhado, o estômago com aquele incômodo típico. Gaguejou quando ela abriu a porta e se deparou com aquele sorriso e olhar cintilante. Ela era realmente única.

Dois anos mais tarde, os dois juntos e ele lhe deu tulipas vermelhas para lembrar do seu rosto ruborizado. O cartão foi curto: “Fico vermelho por fora quando me elogias; fico vermelho por dentro quando sorris!” Deu-se conta de que estas facetas que ia descobrindo em cada ramalhete eram traços de uma única mulher, ou melhor, de uma mulher única! Só um olhar atento e penetrante para pinçar um pedaço do universo feminino.

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