"De minha parte eu também não saberia explicar, se foi algo que ela disse durante nossa primeira conversa, se foi o perfume dela, a roupa, os cabelos, as mãos, o jeito como ela segurava o garfo, como limpava a boca antes de pegar o copo, como deixou que eu encostasse o meu joelho nela e em um único momento ao longo da noite me olhou mostrando que sabia que eu estava sentindo o calor da perna dela, e numa fração de segundo tanto eu quanto ela nos mantivemos firmes em vez de desviar o rosto ou afetar algum gesto de naturalidade ou distanciamento irônico relativo àquele contato, uma fração de segundo e o que você foi até ali vira passado, um estalo e o jantar e a conversa e os dias e anos seguintes viram outra coisa, e é muito rápido e muito delicado mas inconfundível porque em quatro décadas você nunca teve esse pressentimento."
(Michel Laub. Diário da Queda. São Paulo : Companhia das Letras, 2011, p. 149)
Em um único momento, o encontro se aperfeiçoa e a partir daquele único momento - que pode não ser notado, reparado ou percebido - a vida nunca mais é a mesma. O foco se direciona a um novo ser que causa frio na barriga, arrepios, sorrisos, alegria.
Uma janela se abre e a luz inunda o quarto escuro da alma apagada e à deriva, vagando sem rumo, apenas esperando. Esperando o quê? Ele não sabia. Apenas esperava. E um dia, num único momento, no primeiro beijo a vida toma um novo rumo. Impossível negar, impossível rejeitar o que aconteceu. É fato e ainda que o silêncio substitua as longas conversas regadas a sorrisos, a carinho, a ternura, ao cuidado sempre dispensado de parte a parte, ele espera pacientemente.
E como um cão à espera de seu dono, senta-se à porta e fica a esperar o dia em que o silêncio será quebrado.
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