segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Microconto


Ela partiu com todas as respostas.
Ele ficou com todas as perguntas.


sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Epígrafe - XXIII


"De minha parte eu também não saberia explicar, se foi algo que ela disse durante nossa primeira conversa, se foi o perfume dela, a roupa, os cabelos, as mãos, o jeito como ela segurava o garfo, como limpava a boca antes de pegar o copo, como deixou que eu encostasse o meu joelho nela e em um único momento ao longo da noite me olhou mostrando que sabia que eu estava sentindo o calor da perna dela, e numa fração de segundo tanto eu quanto ela nos mantivemos firmes em vez de desviar o rosto ou afetar algum gesto de naturalidade ou distanciamento irônico relativo àquele contato, uma fração de segundo e o que você foi até ali vira passado, um estalo e o jantar e a conversa e os dias e anos seguintes viram outra coisa, e é muito rápido e muito delicado mas inconfundível porque em quatro décadas você nunca teve esse pressentimento."


(Michel Laub. Diário da Queda. São Paulo : Companhia das Letras, 2011, p. 149)

Em um único momento, o encontro se aperfeiçoa e a partir daquele único momento - que pode não ser notado, reparado ou percebido - a vida nunca mais é a mesma. O foco se direciona a um novo ser que causa frio na barriga, arrepios, sorrisos, alegria. 

Uma janela se abre e a luz inunda o quarto escuro da alma apagada e à deriva, vagando sem rumo, apenas esperando. Esperando o quê? Ele não sabia. Apenas esperava. E um dia, num único momento, no primeiro beijo a vida toma um novo rumo. Impossível negar, impossível rejeitar o que aconteceu. É fato e ainda que o silêncio substitua as longas conversas regadas a sorrisos, a carinho, a ternura, ao cuidado sempre dispensado de parte a parte, ele espera pacientemente. 

E como um cão à espera de seu dono, senta-se à porta e fica a esperar o dia em que o silêncio será quebrado.

Poesia: TROPEÇO


TROPEÇO


tropeço na ternura dos teus beijos
tropeço no brilho dos teus olhos
tropeço nas palavras engasgadas
qual jovem diante do primeiro amor.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Poesia: SORRISO FUGIDO


SORRISO FUGIDO

A moça levou o sorriso embora
ele se foi, não sei por quanto tempo.
Preferiu fugir com ela
e deixou-me.
Melhor assim
ao menos não foi a morte
que o levou
pois para ela não há remédio.
A moça, quem sabe,
um dia devolve o sorriso.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

7 anos



Há exatos 7 anos, este blog iniciava sua jornada. Sete anos que passaram rápido e que resultaram em 879 posts dos mais diversos temas, mas sempre tendo como pano de fundo reflexões sobre a vida, o cotidiano, a cultura, a literatura.

A proposta inicial ganhou novos contornos, pois o propósito primeiro era centrar as discussões na conjuntura brasileira, em política e economia. A literatura ganhou espaço e foi se apropriando do blog. Aos poucos surgiram crônicas, poesias e contos. E textos que repousavam no fundo da gaveta ganharam o palco e alçaram voo.

Esta mudança no conteúdo é facilmente explicável. Expor o que se escreve causa um certo medo inicial, há que vencer a vergonha de mostrar o que se escreve. No começo, tive pavor de publicar poesias, por exemplo. Mas a sabedoria do tempo parece nos ensinar que há momento para tudo e que havia chegado o momento de acreditar nos meus textos. Assim, eles ganharam o maior espaço do blog.

Claro que a inspiração foi generosa e veio me visitar habitualmente – ou talvez eu tenha aprendido a dar voz à inspiração mais presente e  antes não notada.  Assim a literatura e a escrita ganharam maior espaço neste blog e hoje predominam.

Nestes anos, este blog foi citado numa dissertação de mestrado na área de comunicação social, teve pedidos para uso de textos e poesias e firmou-se como um local para deixar a imaginação voar. Talvez tenha emocionado algum leitor, talvez tenha causado lágrimas de alegria, talvez tenha provocado sorrisos. Se despertou no leitor um pouco disto, atingimos nosso objetivo.

Quanto à escrita, devo registrar uma nota final. Quando percebi que os textos escritos por mim ganhavam mais espaço, aventurei-me numa oficina literária. Precisava entender melhor o processo criativo e precisava de crítica e aconselhamento  profissional. Depois de participar de 3 oficinas, posso dizer que o Terapia da Palavra ajudou muito minha escrita e o processo de criação. Recomendo a todos que querem escrever e aprimorar a forma de escrever fazer uma oficina literária. Arrisque-se que vale a pena. Agradeço a dedicação da equipe do Terapia da Palavra e a paciência comigo.

Agradeço a todos que por aqui passam, que por aqui comentam, ou que simplesmente dão uma olhadinha e saem em silêncio. Muito o obrigado a todos.




quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Quem escolhe o livro?



Terminado Diário da Queda, saí em busca de algo novo para ler. Sempre tenho uma fila de espera, mas queria um romance mais longo, de um autor desconhecido, mas brasileiro. Estava na Saraiva quando fui atraído pela bela capa de azulejos portugueses a estampar a 2a. edição de Sinfonia em Branco, de Adriana Lisboa (Alfaguara).

A contracapa informava que a obra fora laureada com o Prêmio José Saramago. Hum, obra premiada costuma ser leitura mais difícil e não frequenta a lista de best-sellers, o que me agrada bastante. Fui procurar a apresentação da autora, que se encontrava na primeira orelha, além de uma foto. Escritora carioca. Ponto positivo. Tenho um caso de amor com a Cidade Maravilhosa e encontrar estórias que se passem nela me agradam, é uma forma de amenizar saudade, de nutrir memórias, de evocar bons momentos. 

Minha análise foi interrompida por um conhecido que me chamou e o livro foi deixado de lado. Acabei saindo da Saraiva sem comprar nada.

No dia 26 de dezembro, fui à Livraria da Vila com um amigo. A Vila faz uma liquidação anual e todos os títulos estavam com 20% de desconto. Passei pelo livro novo de Rodrigo Lacerda, folheei Daniel Galera, me atrevi a sapecar algo de Fernanda Torres e Vanessa da Mata, quando Sinfonia em Branco pareceu me chamar: "Alô! Estou aqui! Aqui te esperando!"

Pode parecer besteira, loucura, mas tenho para mim que os livros parecem nos escolher, mais do que nós os escolhemos. Eles estão ali, aparentemente adormecidos e silentes nas prateleiras, mas "sussurram" e nos chamam. Aguardam para dar o bote e nos fisgar. Peguei o livro e comprei-o.

Ao chegar ao escritório, fui ler a contracapa e a orelha. A história tratava de um incesto. Torci o nariz. Fiquei levemente frustrado e decepcionado. Esperava algo diferente. Comecei a ler o livro naquela mesma noite. Terminei-o em uma semana e o livro caiu como uma luva para o meu momento atual. 

Pode ter sido obra do acaso - se é que algo acontece por acaso, se é que alguém de repente cruza teu caminho -, mas o fato é que a obra estabeleceu um intenso diálogo comigo. A força narrativa de Adriana Lisboa é incrível e a premiação da obra é mais do que justificada. 

PS.: Trataremos da obra num próximo post.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Essa amplidão, de Marina Colasanti



ESSA AMPLIDÃO

Abertas pernas neste fim de tarde
não é apenas teu corpo que me invade
deitado sobre o meu.
Essa amplidão lá fora entre as montanhas
o ouro dos ipês, as quaresmeiras,
o chamar-se dos cães, os
sons distantes
tudo me adentra e lambe
como água
tudo me acaricia
tudo me expande.

Mury 2008

(Passageira em trânsito. Rio de Janeiro : Record, 2009, p. 121)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O Beijo


Seu beijo não tem a pressa dos amantes fugazes. É lento, terno, pausado. Seu beijo tem gosto de uma manhã de sol, de um suculento pêssego aveludado, de uma taça de vinho que parece ingênua, mas explode em mil sabores na boca a arrepiar cada pelo do corpo.

Seu beijo explora com paciência e leveza, os lábios unidos e a língua a bailar usando o palco do céu da boca, tudo coreografado e suave, sem trancos, sem a voracidade dos jovens que parecem querer saltar a primeira barreira de uma corrida para logo cruzar a linha de chegada em menos de 10 segundos,  sem se deter o tempo necessário no primeiro capítulo. Para ela, o beijo é um livro inteiro.

Não há pressa. Ela se detém, me conduz por lugares imaginários, me acalma, me alegra, me seduz. Suas mãos passeiam pelos meus cabelos, meu rosto, meus ombros, meu pescoço.

Seu beijo me enleva como ondas em dia de calmaria que abraçam o corpo solto no azul do mar. Calmaria aparente, pois há ebulição de sentimentos e desejos e quereres.

Seu beijo congela o tempo, a realidade, a vida. Sei que estou vivo, sei que não sonho, sei que não fui abduzido, pois sinto meu coração a dar cambalhotas no peito a cada malabarismo da língua no picadeiro.

Seu beijo provoca com a sutileza de uma leve brisa.

Seu beijo tem gosto de vida, tem gosto de quero bem, tem gosto de carinho. Não há a intempestividade alucinante da vida moderna, mas a calma de um entardecer no campo, a alegria de contemplar uma plantação de girassóis em plena florada, a eternidade da penumbra de uma igreja vazia no meio da tarde, a loquacidade do silêncio de dois corações que se encontram e não precisam de palavras.

Seu beijo é venenoso.

Depois de inoculado pelo veneno do beijo dela, todos os dias adormecia tendo o gosto do beijo dela como última lembrança a embalar seu sono.