segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Michel Laub e seu Diário da Queda


"Naquela época eu falava muito pouco com o meu pai. Ele chegava em casa à noite, exausto, e eu já tinha jantado e na maioria das vezes estava dormindo. Se eu fosse contar o tempo que passávamos juntos por semana não daria mais que algumas horas, e como nessas horas estavam incluídos os discursos sobre os judeus que morreram nas Olimpíadas de 1973, os judeus que morreram em atentados da OLP, os judeus que continuariam morrendo por causa dos neonazistas na Europa e da aliança soviética com os árabes e da inoperância da ONU e da má vontade da imprensa com Israel, é possível que mais da metade das conversas com ele teve comigo girassem em torno desse tema."
(Diário da Queda. São Paulo : Companhia das Letras, 2011, p. 36)


"É a quinta vez que venho à Alemanha, e a primeira deois de ter um livro publicado aqui. Meu pai era de Berlim, emigrou para o Brasil por causa do nazismo e morreu antes do lançamento de Diário da Queda, que tem um personagem com trajetória semelhante, embora seja menos autobiográfico do que parece. Às vezes passo semanas sem pensar no meu pai, mas nos últimos dias sinto saudades dele. a viagem ganha um toque sentimental inesperado, que me faz contar em público histórias sobre ele que nunca contei. Ao mesmo tempo, a ideia de usar a memória privada de alguém para promover um livro me constrange."
(Michel Laub, "Semimorto em Frankfurt" in Revista Piauí 86, novembro de 2013, p. 34)

Meu primeiro contato com Michel Laub foi na cerimônia de entrega do Prêmio Portugal Telecom de Literatura de 2012, quando concorreu na categoria romance. Troquei algumas palavras com o escritor. No final, os convidados podiam escolher um livro para levar para casa. Escolhi o Diário da Queda (Companhia das Letras, 2011). Logo em seguida, li seu texto publicado na Granta em português (volume 9) e gostei do estilo, da forma narrativa, da novidade.

Confesso que sempre busco algo novo nos livros que leio. Quer seja um estilo narrativo, quer seja um ponto de vista ou uma forma de contar a estória. A mesmice é bestificante e pouco provoca o leitor.

Somente em outubro deste ano iniciei a leitura da obra. O primeiro terço fluiu muito rapidamente e o estilo de Michel Laub ficava mais patente a cada parágrafo, a cada página.  Em dado momento, pareceu-me que ele perde o foco narrativo, a estória derrapa, pois é contada em camadas espiraladas e a cada volta no espiral, compreende-se melhor a estória.

O livro é narrado em primeira pessoa, em tom confessional. O final surpreende pela beleza e pela epifania do narrador que aparenta redescobrir a alegria de viver.

Em síntese, o livro trata do relacionamento entre um pai e o filho (narrador), suas crises, a revolta diante da religião da família, conflitos diante da herança familiar - não do ponto de vista financeiro, mas do ponto de vista histórico e cultural -, a descrença no ser humano, a perda da razão de viver com o alcoolismo e a epifania final. 

Michel Laub trabalha com a memória, tema que tem sido tão bem explorado por escritores brasileiros contemporâneos e jovens, tais como Daniel Galera e Tatiana Salem Levy. Esta última trabalha a memória tanto em Dois Rios, como em A Chave de Casa (2007). Seria esta uma temática dominante nos jovens escritores brasileiros? Só tempo dirá.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Que venha 2014!



Que 2014 seja um ano repleto de inspiração, onde as palavras nasçam das máquinas para as páginas dos livros!

Que as palavras toquem corações e mentes, cativem, emocionem, alegrem, provoquem sorrisos, beijos, abraços!

Que a leitura seja constante companheira nos dias e noites!

Que as viagens sejam físicas e imaginárias para locais novos e que descubramos novidades nos lugares conhecidos!

Que em 2014, você leitor, você inspiração, você amigo, continue a nos visitar e a compartilhar sua opinião e suas críticas!

Feliz 2014 a todos os que por aqui passam e todos aqueles que o destino por aqui trouxer!


sábado, 28 de dezembro de 2013

Poesia: VIRADA DE ANO



VIRADA DE ANO

Não me rasgue com suas fotografias
Não me derreta com suas joias
Não me destrua com suas cartas
Não me apague dos teus sorrisos

Mantenha-me
Preserve-me
Deposite-me
Guarde-me em algum canto do teu coração.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Conto: Na noite de Natal



NA NOITE DE NATAL

Ele faltou naquele ano. E faltará em todos os anos seguintes. A ninguém é dado escolher a hora, o dia, a data, o ano, a forma. Há um momento exato em que acontece e este momento é irreversível.

Ele não veio à festa de Natal naquele ano. A casa parecia vazia. Meu coração estava vazio. Era tudo muito recente e a morte não parecia combinar com a comemoração de um nascimento. A alegria me pareceu falsa, fabricada. As crianças corriam pela sala com seus brinquedos novos em meio a papéis de embrulho rasgados, laços destruídos e fragmentos de fitas adesivas e embalagens.

Olhei ao redor. Todos rindo, comendo, bebendo, tirando fotos. A vovó sentada na poltrona no canto da sala, com o olhar distante e perdido no infinito. Percebi uma lágrima a escorrer-lhe pelo rosto. Fui até ela. Sentei ao seus pés e ela alisou meus cabelos, num cafuné amoroso e demorado.

- Quando alguém se vai, ficamos tristes, mas há alegria no céu com cada nova alma que nasce para a eternidade. O céu deve estar em festa e ele está lá com os anjos, olhando por nós, cuidando de nós, zelando para que as boas pessoas continuem ao nosso lado, intercedendo ao pequeno menino na manjedoura para que afaste de nós o mal, as pessoas egoístas, as pessoas que não querem o nosso bem.  Dói não tê-lo por perto, mas vamos mantê-lo vivo em nossos corações, vamos lembrar dele a cada memória boa, a cada estória contada para os pequenos. Vamos encontrar a alegria na dor passageira, na saudade que fica.

Abracei-a demoradamente, pois ela ainda está conosco. E suas palavras, ainda que por um momento, apaziguaram meu coração.


*   *   *   *   *

Que o nascimento do menino Jesus traga alegria e esperança para nossos corações, cicatrize as feridas e abençoe nossas vidas neste Natal.

Feliz Natal a todos os amigos, leitores e àqueles que passam por aqui.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Sentimento paradoxal


Nada é mais paradoxal do que o fogo que arde sem se ver, não queima, mas causa dor. A dor não deveria existir onde há amor, mas ela vem sorrateira, inesperada, como um ladrão na calada da noite e rouba-nos o sono tranquilo, presenteando-nos com a insônia, a inquietação, a impotência.

A dor que rouba a voz, desorganiza as palavras, paralisa-nos diante do sonho que se desfaz. Só resta derramar as lágrimas que molham o travesseiro, lágrimas silenciosas, invisíveis, inaudíveis.

Os gritos não são ouvidos, as ideias dançam sem harmonia e não há argumento a restabelecer a racionalidade do erro, a rebobinar o relógio para o dia anterior, para a semana anterior, para antes daquele e-mail fatídico e fatal. 

O balão estourou e a dor se instalou. O pêndulo oscilou da alegria incontrolável para a tristeza extrema. Como pode ser o amor tão cruel, tão paradoxal? Como pode a vida ter-lhe roubado sem dar a chance da despedida? Como pode a vida deixar a injustiça prevalecer quando o amor atraía a ambos, pintava sorrisos e iluminava os dias? Como?

Tão paradoxal o amor! Um dia alegra, faz suspirar, faz sonhar, inspira, rejuvenesce. Noutro dia açoita, maltrata, enxota, abandona, castiga.

Somente a nós compete solucionar o paradoxo.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O Livro das Palavras: uma contribuição sobre o processo criativo




"Em que medida as constantes mudanças de seus primeiros onze anos de vida e os cenários de infância ajudaram a definir seu caminho literário?

Em todas as medidas. Ao estabelecer a característica itinerante da minha vida, me deram desde o início a consciência da solidão - você é mais só quando é diferente - e da multiplicidade do mundo. E me deram, tesouro maior, a leitura - porque tudo ficava para trás a cada mudança, meus pais supriam com livros esse vazio."

(O Livro das Palavras : conversas com os vencedores do Prêmio Portugal Telecom. org. José Castello e Selma Caetano. São Paulo : Leya, 2013, p. 131)


A resposta foi dada por Marina Colasanti em excelente obra lançada pela Leya no dia da entrega do Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2013. 

A obra traz entrevistas com os vencedores anteriores do Prêmio e discute o processo criativo da escrita, a literatura, a construção das personagens, dos diálogos, dos enredos. A lista contém 27 nomes da prosa e da poesia, mas todos tratando do mesmo assunto.

Para quem gosta de escrever, é leitura imprescindível e de grande valia.

Curiosas são as respostas de Dalton Trevisan, que ganhou o Prêmio, mas não compareceu à cerimônia de entrega e respondeu às perguntas por escrito.

"Nada a dizer for dos livros. Só a obra interessa, o autor não vale o personagem. O conto é sempre melhor que o contista.

Vampiro, sim de almas. Espião de corações solitários. Escorpião de bote armado, eis o contista. 

Para escrever o menor dos contos a vida inteira é curta. Uma história nunca termina, ela continua depois de você." (p. 70)

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Conto: Podemos ser um livro?



CONTO: PODEMOS SER UM LIVRO?



- Podemos ser um livro?

-  E que livro seríamos? Um com final trágico ou com final feliz?

- Não sei.

- Gosto de finais felizes, mas penso que há muita falsidade em finais lindos e maravilhosos, rosáceos ou coloridos. A realidade não é linda e maravilhosa, ninguém acorda linda e perfumada; bem, você é uma exceção à regra.

Ela sorriu e aceitou o galanteio com humildade, certa de que ele exagerava de novo, como fazia diante de todos os defeitos dela que pareciam se transmudar em qualidades.

- Que tal Romeu e Julieta?

- Não, teríamos que morrer no final. Se a ideia é Shakespeare, que tal A Megera Domada? Afinal, parece exigir um homem de pulso forte! – disse em tom de brincadeira.

- Gozadinho você, não? Proposta rejeitada. Vamos continuar. O que mais?

- Não penso numa tragédia de grandes proporções, como um terremoto, furacão, tsunami, afinal, estas coisas não ocorrem no Brasil. Penso que só o fato de terminarmos juntos já traria embutido uma carga trágica. Não gosto de pensar num final assim, ainda que seja provável. Prefiro os capítulos intermediários, as risadas, as briguinhas, as desavenças, a compreensão, a apreensão, o fazer as pazes, a troca de olhares. O começo já está escrito. Agora faltam os outros capítulos. Serão muitos?

-Será que conseguimos postergar o final, como uma série que nunca acaba, como se em certo momento nos dissipássemos no universo etéreo levado por um vento rumo ao poente, desmaterializados. Será?

Ele sorriu, segurou-lhe as mãos e beijou sua boca.


-Vamos tentar?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada, de Fernando Pessoa




QUEM ME DERA QUE EU FOSSE O PÓ DA ESTRADA

Quem me dera que eu fosse o pós da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...

Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...

Antes isto que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...

Fernando Pessoa

(Quando fui outro. Rio de Janeiro : Objetiva, 2006, p. 74)