terça-feira, 30 de novembro de 2010

Poesia: SAUDADE


SAUDADE


A saudade é uma chama
Pode ser fraca, quase invisível
Que queima ao se aproximar
Uma chama imperceptível, por vezes
Adormecida sob as cinzas de um braseiro
Quase desfalecida
Esmaecida
Que ruboriza ao sopro sutil da brisa da memória
Incandescente
Volta a bruxulear e ganha vigor
Arde e queima intensamente

A saudade não deixa que se olvide
Não deixa que a chama apague
Incendeia a memória
Aquece a alma de forma inexplicável
Revigora os sentidos
E dança no silêncio
E ilumina a escuridão.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Cidadãos amedrontados

Terça-feira, meio da manhã, semáforo da Alameda Lorena com Av. 9 de Julho, bairro dos Jardins em São Paulo. Parado no trânsito um homem aguarda dentro de um carro. Despertado da distração por uma pancada forte e certeira no vidro do motorista. Repara num homem de terno, que abre o paletó e lhe mostra um revólver. Faz um gesto para que abra o vidro e entregue o que tem: carteira, relógio, celular, pasta. Poucas palavras são trocadas. As ordens são seguidas. O homem sai andando calmamente no sentido contrário ao fluxo de veículos. O motorista, atônito e nervoso, estava a uma distância inferior a meio quarteirão do escritório.

Os fatos acima são reais e aconteceram com meu sócio. Não havia policiamento no local, nem nas redondezas. Ele foi à Delegacia e gastou quase a tarde inteira para fazer um BO. A delegacia fica no bairro dos Jardins, um dos mais nobres e caros de São Paulo.

A narrativa se repete em qualquer mesa de bar, em qualquer conversa de colegas de trabalho, em qualquer ambiente. A cena lastimável de violência e de insegurança espalha-se por todo o país, em menor ou maior grau. Viramos reféns da bandidagem. Ainda que o Capitão Nascimento insista em afirmar que agora o inimigo é outro, o medo é real e presente. O maior  medo do cidadão é o bandido.

Assisti cenas de bandidos armados na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro vive momentos de terror, de afronta à ordem posta, de intimidação do Estado que tenta aos poucos reconquistar seu poder sobre os cidadãos - todos os cidadãos, inclusive aqueles que ignoram a existência das leis e aqueles que parecem viver à margem da sociedade.

Não vou politizar a questão, nem tampouco defender esta ou aquela linha de pensamento. Porém, é preciso lembrar que o tema segurança pública foi debatido na campanha eleitoral. Tentaram rotular a política de segurança pública do Estado de São Paulo de frágil e ineficiente. Um candidato ao governo do Estado - e que foi derrotado no primeiro turno - insistia em relembrar a tentativa do PCC de parar São Paulo. O PCC conseguiu parar São Paulo por um dia.  E agora, Senador, algo a dizer sobre como acabar com o terror no Rio?

O que os bandidos fazem no Rio é mais grave do que o PCC fez em São Paulo. Vivenciei aqueles dias de pânico coletivo, propagado pela imprensa que se amedrontou diante de informações desencontradas. Naquele dia, em que todos foram embora do escritório com medo - e ficaram parados por horas no trânsito -, eu fiquei até mais de 20 horas trabalhando. Fui para casa sem trânsito; as ruas desertas e nem sinal de bandido ou membro do PCC. Antes de ser um ato de loucura ou coragem, foi um ato racional de preservação da vida. O raciocínio foi simples: se ficasse parado no trânsito, seria um alvo fácil para um arrastão de bandidos. No terceiro andar de um prédio comercial da Av. Paulista, estaria mais seguro. 

No dia seguinte, a Rota foi para as ruas e a cidade voltou ao normal. Bandidos morreram. Alguns talvez inocentes, mas outros não. A dúvida não favoreceu o réu. E acredito que a atitude foi justificada.

Solidarizo-me com a aflição e o medo dos cariocas. Preocupo-me com as pessoas queridas que moram no Rio e vejo cidadãos amedrontados, reféns em suas próprias casas. O direito de ir e vir é tolhido pela omissão do Estado (em todos os níveis) e ficamos enjaulados em casas, apartamentos, condomínios. É hora de agir com firmeza e tomar as medidas necessárias. 

O medo não é privilégio dos cariocas; o medo habita no seio dos paulistanos e paulistas; o medo instalou-se em todas as cidades brasileiras de porte médio e grande. Iniciei este post com um exemplo recente da cidade de São Paulo para não parecer que apontava o dedo, ou que comparava as políticas públicas de segurança. O problema é amplo e geral; o problema é uma preocupação de todos os brasileiros. O Estado precisa agir!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Monteiro Lobato e preconceito



O Conselho Nacional de Educação recomendou ao MEC que proíba o livro Caçadas de Pedrinho, de autoria de Monteiro Lobato. A trama começou com uma denúncia formulada por um aluno de mestrado da Universidade de Brasília à Secretaria de Promoção de Igualdade Racial, ligada à Presidência. O aluno entendeu que a obra era "racista". Esta Secretaria - que mais parece um dos ministérios engendrados pelo Grande Irmão de 1984 - submeteu a acusação ao crivo dos conselheiros do CNE, e estes sugeriram que o livro fosse retirado do acervo do Programa Nacional Biblioteca na Escola.

Fazer a denúncia é uma prerrogativa de interpretação de qualquer cidadão. Até aí, admito o equívoco. Mais grave, porém, está no fato do CNE ter considerado séria a denúncia e sugerido o banimento de Monteiro Lobato de nossas escolas. Fiquei indignado quando tomei conhecimento da notícia e resolvi fazer minha própria pesquisa. 

Li a maioria das obras de Monteiro Lobato na infância. Não sou racista, nem preconceituoso e jamais  imaginei que tais obras pudessem ser consideradas como ofensivas. Confesso que estas leituras só me trazem boas memórias, de um lugar cheio de fantasia e magia. Fui atrás do livro, por sinal, o mesmo exemplar que li quando criança, capa dura verde escura, com letras em baixo relevo e prateadas, uma primorosa edição da Brasiliense, de 1950, com a ortografia estranha e recheado com algumas ilustrações.

Reli o livro no feriado e redescobri grandes passagens. A leitura foi atenta, à caça de preconceito e termos "racistas". Fiquei frustrado. Fiz uma segunda leitura atrás do trecho específico que foi identificado na denúncia, e que transcrevo abaixo para que avaliem por conta própria:

"Sim, era o unico jeito -  e tia Nastacia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão, pelo mastro de S. Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros."(Caçadas de Pedrinho. São Paulo : Brasiliense, 1950, p. 55 - obs.: transcrito na ortografia original)

Há licença poética no texto. Não vejo racismo. Em outro trecho, Pedrinho exclama: "Avança, macacada!"(p. 12). Mais adiante, uma capivara reunida com o demais bichos da floresta reclama: "- Imbecil! resmungou a capivara, furiosa de tamanha asneira. Não é atôa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens." (p. 24). 

Estes exemplos revelam que o termo "macaco" não é utilizado no livro como termo pejorativo ou racista. 
Não tenho dúvidas, porém, de que o livro não passa pelo crivo do patrulhamento ideológico. Poderia ser denunciado por ambientalistas, afinal, Pedrinho e a turma do Sítio do Picapau Amarelo matam uma onça e depois domesticam um rinoceronte. O livro seria ambientalmente incorrento.

A questão que envolve a criação do Departamento de Caça ao Rinoceronte e a instalação da linha telefônica mais curta do mundo são uma crítica direta ao funcionalismo público, ao gasto público inútil e desnecessário, ao desperdício de dinheiro público. Não é à toa que o livro foi rotulado de comunista quando foi lançado. Era considerado subversivo por incitar a desobediência civil.

Claro que faço esta leitura com um olhar adulto e crítico, e esta releitura me certificou ainda mais da atualidade e importância de Monteiro Lobato. A denúncia é ridícula, preconceituosa, torta, mas um alerta para uma política estatal que busca criar divisões de classes e categorias de brasileiros, ao invés de propagar a igualdade de todos os brasileiros.

Por fim, perguntei à minha filha de 9 anos o que tinha achado do livro, pois o lera no primeiro semestre. Ela havia gostado e me contou a estória. Não houve um traço de preconceito ou aparente racismo nas palavras dela. Leu com os olhos de uma criança e ficou fascinada e divertiu-se como pretendia o escritor.    Quem vê racismo nas obras de Monteiro Lobato, não faz jus ao título de mestre em nenhuma universidade séria deste país. E um Conselho de Educação que rejeita o patrimônio literário nacional, precisa rever seus conceitos - ou as pessoas que são indicadas para o CNE. 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Microconto - VIII

Ela dormia placidamente. Ele sonhava sorridente. Caminhos desconexos na aparente união.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Microconto - VII


Caminhava a passos largos, apressado. Tão ensimesmado, tão recluso, não teve olhos para notar o largo sorriso que a bela moça lhe oferecia, um sorriso convidativo.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Crônica: Na madrugada


NA MADRUGADA



Acordou desnorteado com a gola do pijama empapuçada de suor apesar do quarto estar fresco. Não sentia as cobertas sobre seu corpo; não conseguia racionar e situar-se. Apalpou a cama ao seu redor sem saber se estava de cabeça para baixo ou próximo da beirada. Esticou o braço direito sobre a cabeça e acertou com força a cabeceira da cama, gemendo com a dor da batida. Tateou a cabeceira numa tentativa de voltar a si. Pelo lado esquerdo a cama parecia infinita, sua mão não alcançava a borda do colchão. Esquecera-se das cobertas que estavam sobre seu corpo. Estava tomado de um sentimento de queda livre, num poço fundo e escuro, porém a queda constante assemelhava-se a de uma folha de papel, suave e pouco amedrontadora.

Suas pernas formigavam e isto lhe causou aflição. Pensou estar soterrado ou preso por algo pesado que prensava suas pernas, impedindo-o de se movimentar. Tentava mexê-las e elas não reagiam. Não se sentou na cama por medo de bater a cabeça. Olhou ao redor na noite escura, buscando uma luz, um ruído, algo que lhe trouxesse de volta a referência que perdera.

Um tímido brilho vinha de um canto do quarto. Era o relógio que estava coberto com a revista que arremessara na noite anterior e cobria as horas. Eram 4:39 da madrugada. Pedro não viu as horas.  Sem os os óculos que repousavam sobre o criado mudo, não enxergaria o número marcado no relógio. Esfregou os olhos e aos poucos voltou a sentir suas pernas. O desespero momentâneo se desfazia de forma inversamente proporcional à lucidez que recobrava.

Passou a mão pelo pescoço e limpou o suor da nuca. Empurrou o lençol e o cobertor para a ponta da cama. Ouviu quando ambos caíram no chão. Respirou aliviado. Sentou-se na cama. Mirava a escuridão sem ver nada. O sonho veio à memória de forma embaçada. Esforçou-se e as imagens ganharam contornos precisos. Repassou em detalhes aqueles momentos que havia assistido há pouco. Era ela. Havia sonhado com ela. O sorriso inesquecível estava ali, diante dele, com todos os sons, com todas as cores, com toda a vivacidade que ela tinha. Tomado por um torpor que lhe aqueceu a alma, Pedro sorriu e quis que o tempo não existisse.

Mas era só um sonho. Deitou-se novamente e chorou em silêncio.


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Um país dividido

A eleição passou. Este post ia ser escrito antes da eleição, mas não perdeu sua atualidade e tem um olhar retrospectivo. As urnas só confirmaram o que já imaginava e pode ser visualizado no post anterior, com o mapa eleitoral que correlaciona o voto com os indices de analfabetismo. Eis aí a representação visual do que aconteceu: o país votou dividido.

Na eleição de 2006, o ponto que mais me marcou foi a forma como Lula tentou dividir o país. Lula tentou rotular Alckmin como um representante dos ricos, do sul, da elite, dos inimigos dos pobres e oprimidos. O país votou dividido.

O mesmo script foi seguido nesta eleição, porém os ânimos se acirraram com a margem menos folgada de vitória e com uma candidata fabricada em laboratório, uma espécie de versão feminine de Celso Pitta.

Acho lemantável a divisão perpetrada por Lula e pelo PT. O responsável por este discurso separatista e de confronto maniqueísta foi Lula. FHC lembrou bem, em entrevista à Folha de São Paulo, que Lula “dinamitou pontes” em seu governo. Ao invés de unir o país em torno de um proposta, optou-se por dividir o país e instigar uma rivalidade desnecessária e nada positiva. Lula, do alto de sua popularidade, mandou ver e decretou guerra aos inimigos, sugeriu que era necessário "extirpar a oposição" e metralhou uma sucessão de destemperos agressivos e autoritários. 

A divisão do país ficou mais evidente quando o tema ganhou a internet com ofensas aos nordestinos e equivalente revide. Acho que as atitudes estão equivocadas e não se justificam, afinal somos todos brasileiros, somos todos filhos da mesma pátria. Chegou-se ao absurdo de se falar em “raça” nordestina, o que não existe.

Voltemos ao ponto objetivo: a divisão do país. Este mapa traz a votação dos candidatos por município, além de algumas outras análises visuais bem interessantes. 

Nota-se claramente que Dilma venceu de forma esmagadora no Nordeste e no Norte e nas faixas populacionais com menor índice de escolaridade. Serra foi vitorioso no Sul, no Centro-Oeste e no Sudeste, com exceção de Minas Gerais que votou em Dilma. No geral, a vitória foi de Dilma.

Outro aspecto que os números revelam é que Serra venceu na maioria dos municípios vencidos por Marina no 1o. turno, revelando uma nítida transferência de votos.

Há várias extrapolações possíveis e os números contribuem para várias análises. Uma delas demonstra que no Maranhão, Dilma venceu em todos os municípios. No Maranhão, 55% da população é beneficiária do Bolsa Família. O Estado é governado por uma mesma família há muitos anos, família esta que se aliou a Dilma. Um jornal maranhense trazia um artigo assinado pelo Senador José Sarney em que dizia que votar em Dilma era votar em Roseana.

O Bolsa Família é um programa assistencial positivo, porém é preciso questioná-lo. É benéfico dar o benefício por prazo indeterminado? Como auxiliar um beneficiário a sair do programa? Como educar as pessoas para que se capacitem para a vida profissional e saiam do programa? Estas perguntas não foram abordadas na campanha presidencial.

Aliás, poucos temas relevantes foram abordados por ambos os candidatos na reta final da campanha. Culpa de quem? Culpa de nós cidadãos e eleitores que não exigimos posturas mais claras.  Por exemplo: sabemos o que pensa Lula, mas o que pensa Dilma? Ela não falou o suficiente. Foi treinada para repetir um “programa” de governo vazio e generalista, mas que não explica como as questões serão enfrentadas.

Os candidatos prometeram realizar a reforma política, a reforma tributária, melhorar a infraestrutura, melhorar a segurança, melhorar a saúde, melhorar a educação.

As duas primeiras reformas são eternas promessas e se a reforma política tivesse sido levada a cabo, talvez Tiririca não tivesse sido eleito. Duvido que Dilma consiga realizar uma delas. E ainda tem a reforma previdenciária e o ajuste fiscal para diminuir o tamanho da máquina pública. Os desafios que Dilma vai enfrentar são grandes e, como cidadão, não sei o que ela pensa sobre estes temas.

Dilma assumirá com um país dividido. Terá uma maioria na Câmara e no Senado, porém, se o PMDB se revoltar, esta maioria se evapora. Esta divisão criará problemas para Dilma pois vislumbro que o cidadão saberá utilizar melhor os instrumentos de comunicação disponíveis e que foram palco de grandes embates nos meses que antecederam o pleito. Refiro-me à internet, especificamente ao Twitter, ao Facebook e ao Orkut. Ousaria dizer que o Twitter foi o grande vencedor desta eleição.

Política não deve ser assunto para cada dois anos; política deve ser acompanhada sempre. Utilize os canais disponíveis e cobre, fiscalize, escreva para seu deputado e senador, manifeste sua indignação e elogie os bons projetos. O email pode ser uma ótima forma de botar a boca no trombone.

Este blog continuará a importunar nossos dirigentes e a reclamar, quando for o caso. Se couberem elogios, estes também serão feitos. 

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Um mapa eleitoral


Estatísticas são frias; números são frios. Alguns dirão que comportam intepretação, outros dirão que não. Os dados estão lançados nos mapas acima. Esta eleição aprofundou ainda mais a divisão do país, algo nutrido e incentivado pelo partido vencedor. O tema exige análise mais profunda e voltarei ao tema.

Agora, só nos resta respirar fundo e não se calar.