segunda-feira, 29 de junho de 2009

Crônica: Comédia Romântica



COMÉDIA ROMÂNTICA


A noite fria e garoenta de sábado convidava a ficar em casa preguiçoso e quem sabe encontrar um filme decente para assistir na televisão. Pedro mudava de canal até se deparar com uma comédia romântica. Ele tinha medo destes filmes aparentemente leves, ingênuos, mas que no fundo levavam a grandes questionamentos. Se fossem inofensivos não teriam público, nem fariam um gênero tão diverso, quanto resistente ao tempo. Há algumas trágicas. Outras são verdadeiros pastelões, despidos de enredo ou nexo. Algumas revelam encontros e desencontros. Outras retratam casais que se amam e odeiam ao mesmo tempo, não conseguindo ficar longe e nem perto, valendo-se das tantas contradições do amor para narrar uma estória. O problema maior é que sempre há um final feliz. Isto incomodava a Pedro.

Não sabia ao certo, mas de uns tempos para cá não resistia ao choro nestes filmes menores da grande arte. Desconfiava, porém que as lágrimas eram fruto daquilo que havia perdido, daquilo que não mais sentia, e – silenciosamente – desejava reencontrar, mesmo que fosse com outra mulher.

Depois de alguns minutos, Clara achegou-se a ele no sofá e perguntou sobre o filme. Pedro fez uma breve descrição e torceu para que ela se desinteressasse pelo enredo e fosse dormir. Ela ficou. Atenta. Rindo. Cutucando-o quando alguma cena retratava algum fato daqueles anos de convivência. Era inevitável não se identificar com algumas situações.

Pedro manteve-se impassível. Disfarçou os olhos marejados. Ria, mas de forma contida. Como sempre acontecia, encontrou dois momentos que o fizeram pensar e esquecer o que se passava na tela. Uma fala singela retratou algo que havia perdido. O protagonista do filme disse para a mulher que cortejava, que havia guardado o livro por muitos anos pois era a única lembrança que tinha dela, como se fosse um pedaço dela guardado junto a ele.

Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Estava incomodado e pressentia que aquele filme, aparentemente cômico, conduziria a uma longa discussão da relação num sábado à noite. A comédia iria se transformar em tragédia. Ensaiou mentalmente o que iria dizer e como tentaria evadir-se da discussão. Seu coração acelerou-se perto do final do filme. As lágrimas silenciosas misturaram-se com uma ansiedade que já conhecia e antecipava as perguntas que conhecia e supunha que seriam feitas.

O filme acabou. Ele se levantou do sofá, mas antes de sair da sala, veio a pergunta de Clara:

- Por que você não se interessa mais por mim?

A profecia se realizava.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Poesia: DESPERTAR


DESPERTAR

Beleza esfumaçada
Na aurora rósea
Nas cores da manhã
No primeiro pensamento que me acomete
ao despertar do sono
Do sonho em que me visitaste
Do delírio noturno onde tudo é possível.

E não tenho controle
E não tenho medo
E as palavras saltam de minha boca
Lançadas no etéreo
Carregadas por um redemoinho de vento
Sussurradas ao longe de teus ouvidos
Recebidas com o apelo da alma.

Respondes com um sorriso
Bálsamo que inflama a brasa do meu ser
Pedra preciosa que não pode ser garimpada
Nem roubada
Nem fabricada pelo engenho humano.
Sorriso que só o sentimento produz
O mais puro sentimento
Gratuito e divino
Mágico e inebriante
Sentimento inexplicável,
Sentimento insuperável!


RLBF - 21 outubro 2008.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

No embalo do tango

O tango passa por uma recente renovação. Grupos como Gotan Project, Bajofondo, Tanghetto, entre outros, acrescentaram um tempero eletrônico ao estilo boêmio argentino. Sem desprezar os instrumentos tradicionais, o tango ganhou nova força e nova vida, atingindo ouvintes ao redor do mundo e de faixa etárias mais jovens. Tanto que Pa´Bailar, do Bajofondo foi trilha de recente novela da Globo.

Virei fã deste estilo de tango eletrônico ou techno tango, ou chamem como quiser, através do Gotan. Confesso que gostava do tango tradicional, mais por cultura musical do que por encantamento.

Um destes grupos mais tradicionais, com leve tempero moderno, é a Orquestra Típica Fernandez Fierro. Ganhei de um amigo o CD Destrucción Masiva. Infelizmente, não encontrei a venda por aqui. Mas fica a dica para quem gosta de tango.

Feche os olhos e curta. O vídeo é do filme Perfume de Mulher. Uma cena clássica, com trilha sonora perfeita.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Discurso vazio ou é hora de parar

Ouvi trechos do discurso de José Sarney, presidente do Senado, sobre os atos secretos e a indicação de familiares para cargos em comissão e a crise do Senado. Li o discurso quase na íntegra como publicado no Estadão de quarta-feira. Fiquei perplexo, para dizer o mínimo. Espantado diante de tantas palavras para atribuir a culpa aos outros. Tive a nítida sensação de que Sarney parecia estar em outro planeta e discursava sobre uma realidade que nada tinha a ver com o que todos sabemos. Ele lavou as mãos, como se discursasse para alguns poucos, como se não existisse televisão, imprensa e a internet. Como se suas palavras - e atos secretos - ficassem restritos a um pequeno grupo de patrícios, de nobres senhores e senhoras senadoras. Este tempo já passou há muito. 

Vi a repercussão em diversos blogs, como o da Edna e da Lenissa. Reinaldo Azevedo, em um de seus diversos posts sobre o tema, chamou de  O Outono do Oligarca. Talvez esta seja a melhor descrição do que presenciamos estupefatos. Infelizmente o brasileiro não sai às ruas para manifestar, mas temos a internet como poderosa arma para manifestar nossas opiniões e discordar de tudo que existe de podre na política brasileira. 

Atentem para alguns fatos. 

José Sarney tem 79 anos, foi Presidente da República e por 2 vezes anteriores foi presidente do Senado. Tem o Maranhão como verdadeira capitania hereditária, apesar de ser Senador pelo Estado do Amapá. Como senador, deveria representar o Amapá, mas parece só ter olhos para seu estado natal, o Maranhão. Assim afirmou no discurso. 

O Brasil não admite mais a mentira e uma relação promíscua com o dinheiro público. Estamos cansados daqueles que usufruem da máquina pública sem ter espírito público. Pessoalmente acho abominável certos benefícios que funcionários públicos têm em comparação com os demais mortais. 

Pior ainda a defesa realizada por Lula. A emenda ficou pior que o soneto. Aliás, Lula – em mais uma viagem ao exterior e agora na terra de Borat – brindou-nos com grandes pérolas esta semana. Além de dizer que Sarney “não pode ser tratado como pessoa comum, pois ele não é uma pessoa comum”, Lula defendeu o presidente do Irã e as aparentes fraudes ocorridas na eleição daquele país. 

Mas voltando ao assunto, Sarney não é um homem que acompanhou as mudanças no país. Ele parou no tempo. Deveria ter a humildade de retirar-se da cena pública, de abrir mão do prazer que o poder traz consigo, de deixar sua vaidade para o mundo das letras. Um grande homem sabe a hora de se retirar, sabe a hora de reconhecer que seu tempo passou, que seu serviço público já foi prestado e que é hora de se aposentar. 

Deixar os palcos graciosamente é uma qualidade de poucos. É preciso desprendimento e um reconhecimento humilde de que somos limitados, finitos e temporais. A maioria insiste em rejeitar a implacável marca do tempo. Sarney corre o risco de macular sua biografia.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Sorte ou azar – Parte 2

A anedota merece ser reproduzida e para evitar que o post anterior ficasse muito longo, retomo o tema e a narrativa de Josué Montello:

"Certa vez, na Igreja de Santo Antônio, foi achada uma carteira com dinheiro. Imediatamente, os bons frades afixaram um aviso na sacristia, pondo a carteira à disposição do dono, desde que este provasse, pela explanação do que ela continha, ser realmente o proprietário.

A leitura do aviso dos frades atuou no espírito de Inácio José Ferreira (ou melhor: o Poeta Bacanga) como um raio de inspiração. Imediatamente atirou-se o bardo para o Jornal do Comércio. E ali pôs um anúncio, dizendo ter encontrado uma carteira. Pedia ao dono que passasse por sua casa, na rua tal, númerto tanto, no Castelo.

Assim que o jornal circulou, apareceu na casa do Poeta Bacanga o dono da carteira. Inácio não demorou a recebê-lo.

- Como é ela? – indagou.

Ponto por ponto, o outro deu explicações: a cor, o tamanho, os papéis e cédulas que continha.

- Então não é sua a carteira que eu encontrei – replicou o poeta, mostrando ao homem uma carteira velha que tirou do bolso.

Assim que o senhor, desapontado, saiu fora de portas, o vigarista subiu as escadas da igreja de Santo Antônio. De posse das informações necessárias, descreveu aos frades a carteira e seu conteúdo e entrou logo na posse do dinheiro.

O gênio do vigarista merecia o prêmio. Merecia. E não se pense que, por ser ladrão, não tinha melindres. Tinha-os, e à flor da pele. Tanto assim que, ao se ver retratado, com o nome de Pereira, na comédia Verso e Reverso, de José de Alencar, quis castigar a bengaladas, no próprio teatro, o famoso teatrólogo. Este, para não apanhar, correu. E como era pequenino, e ágil, conseguiu escapar à fúria do Poeta Bacanga." (Diário do Entardecer. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1991 p. 49)


E por falar em cara-de-pau e malandragem, o discurso que ecoou ontem nos jornais televisivos e está reproduzido nos jornais de hoje, revela que o Brasil de ontem e de hoje é o mesmo. Triste, mas verdadeiro.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Sorte ou azar?


Dois fatos curiosos chegaram aos jornais em dias recentes. Um apostador do Vale do Paraíba acertou a Mega Sena, teria direito a um prêmio de R$ 5 milhões e até a véspera do último dia para resgatar o dinheiro o sujeito não tinha aparecido. Surgiu no último e recebeu a grana. Quase um sortudo azarado.

Outro caso foi o de uma mulher em Israel que guardava US$ 1 milhão dentro do colchão de sua casa. Sua filha resolveu presenteá-la com um novo colchão e jogou o colchão velho no lixo. A coitada da velhinha quase teve um ataque cardíaco ao descobrir que a filha tinha jogado o dinheiro no lixo. Bem, foi o colchão, mas era um colchão valioso.

Deparei-me, nestes feriados, com um interessante trecho do Diário do Entardecer, de Josué Montello, e que transcrevo aqui:

"Dizia Machado de Assis que a mais antiga forma de ficção que se conhece é o conto-do-vigário. E acrescentava: 'Não é propriamente o de Voltaire, Boccaccio ou Andersen, mas é conto, um conto especial, tão célebre como os outros, e mais lucrativo que nenhum.'

Como em toda modalidade de arte, o conto-do-vigário tem criadores e plagiários.

Sou de parecer que, nos casos habituais dos bilhetes de loteria falsamente premiados, que um espertalhão impinge à ingenuidade alheia, nas ruas das grandes cidades, deveriam ir para a cadeia o vendedor e o comprador. Este, por falta de malícia; aquele, por falta de imaginação." (Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1991, p. 48)


O espertinho, nestas horas, merece o castigo de cair na lábia do espertalhão.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Humor de ambientalista

Um pouco de humor para esta semana curta!

Sabe o que acontece com homem que só pensa em salvar árvore?

Começa a crescer uns galhos na cabeça dele!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Ouro



Metal precioso. Ambicionado por conquistadores e desbravadores de novos continentes. Desejado por garimpeiros anônimos espalhados por veios de rio e minas nos mais diversos cantos do mundo. Encontrado, é derretido no cadinho, em altas temperaturas, para ser forjado delicadamente nas hábeis mãos de um ourives. Da natureza bruta, camuflado, enterrado, até a vitrine de uma imponente joalheria, o metal sempre reluz e preserva suas qualidades e valor.

Uma pequena pepita de ouro com a qual se depara ao acaso. Garimpada fruto da conjunção de fatores alheios à vontade; só compreensíveis com o passar do tempo. De repente, no meio de uma multidão de tantas e tantas pessoas, um olhar reluz mais do que ouro. Um olhar que é ouro puro. Ora, ouro amarelo, ora, ouro branco; mas sempre ouro, sempre valiosíssimo.

Ouro que reflete a luz do sol e dissipa-a para espalhar o calor e a claridade por todos os cantos. Atinge, com seu brilho, os recantos mais escuros, despertando no olhar um estado de encantamento pela beleza que irradia.

O ouro pode ser um vil metal, um simples metal precioso. Seu valor não se compara ao de uma pessoa que, com gestos desinteressados, irradia luz, calor, brilho e reflete sempre a luz do sol para iluminar e alegrar. Sempre para iluminar!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Sol de outono

O crédito da foto esta aqui.

Sucumbi à provocação de Milton Hatoum e do meu comentário no post anterior. Numa tarde esta semana, comum como qualquer outra, resolvi percorrer alguns locais da Avenida Paulista a pé. Deixei o carro na garagem. Não estava insculpido por nenhum espírito ambientalista ou ecologicamente correto. Gosto de caminhar. Ao caminhar, podemos observar e observar é a porta de entrada da inspiração, da escrita, da contemplação.

Pode parecer estranho, mas encontrei-me contemplativo no meio do burburinho de uma cidade como São Paulo. Certa vez, estava tão absorto nos meus pensamentos, que uma estagiária do escritório, vindo em sentido contrário, teve que segurar meu braço para que eu a reconhecesse. Estava em "alfa", como até recentemente se costumava dizer.

Caminhava tendo à minha frente, do lado esquerdo o prédio do Masp. O sol de outono banhava a avenida, timidamente por entre os prédios, preparando-se para o recolhimento diário no horizonte, deixando suas largas sombras. O vento estava frio, o céu de um azul irretocável e uma lua despontava à meia altura.

A luz era um espetáculo à parte. Parecia lançar pinceladas de cor sobre os objetos à minha frente: o Parque Trianon, o edifício da Fiesp, o Masp. Um festival de imagem que desevenhava-se diante de mim, ou melhor, que sempre esteve ali, mas naquela tarde a luz estava diferente.

Nos degraus do Fórum Pedro Lessa, edifício da Justiça Federal em São Paulo, havia uma mulher sentada. Empunhava uma máquina fotográfica daquelas analógicas, sem foco automático ou qualquer outra tecnologia digital. Ela aproveitava o ângulo e a luz perfeita oferecida por aquela tarde de outono.

Aquela tarde tinha que ser captada! E compreendi, na minha caminhada, descendo a Rua Pamplona rumo ao escritório, a importância da luz na imagem, na fotografia, na vida. Luz que não precisa vir do sol. Luz que pode estar dentro de cada um, de um jeito todo especial.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Uma provocação de Milton Hatoum


"Caminhou por Copacabana, parou para comer no bar do primeiro encontro com Lázaro, e passeou na beira da praia até o Forte, murmurando o nome de cada rua, reconhecendo um e outro boteco e restaurante. No caminho de volta foi abatida por uma tristeza atroz: não se lembrava de nenhum amigo. Depois pensou: desconheço a amizade."

(Milton Hatoum. "Barbara no inverno" in A Cidade Ilhada. São Paulo : Companhia das Letras, 2009, p. 87)


O conto de Milton Hatoum é trágico e carrega traços machadianos. O ciúme é retomado e foi o tema central de Dom Casmurro a permear todo o enredo. Pinço um trecho do final do conto, em que Bárbara retorna ao Rio de Janeiro depois de um período de exílio na França. Percebi que muita coisa pode ser extraído deste curto trecho.


Caminhar à beira do mar, mesmo numa orla movimentada, pode ser altamente contemplativo. É possível isolar-se de tudo que nos cerca. É um caminhar solitário e imerso no próprio "eu". A solidão não exige que estejamos fisicamente sozinhos, e talvez a solidão mais cruel é aquela que se manifesta quando estamos cercados de pessoas à nossa volta, mas nos tornamos invisíveis. Ninguém nos vê. Olham-nos, mas não nos veem, não conseguem penetrar no interior pessoal de cada um.


Contemplar não é olhar somente o exterior. A contemplação mais difícil é a interior, e para tanto, basta um cenário que nos convide a contemplação, que desperte aquela voz interior que é calada pelo burburinho exterior.


A amizade, desconhecida por Bárbara, muitas vezes nos surpreende. Na maior parte das vezes, é a amizade que nos proporciona os melhores e mais surpreendentes momentos da vida, que incendia a chama quase extinta, mas que volta a iluminar ao redor com novo vigor. Há poucas vezes – mais doloridas e marcantes – em que a amizade falha. Mas nestes casos, não era amizade, mas mera convivência que se reduz ao utilitarismo.